1984: George Orwell e a suposta Segregação Visual

Vamos puxar um baseado sociológico.
Primeiro de tudo, eu ainda não terminei de ler 1984! Mas o que eu quero falar aqui não é sobre o livro em si, mas sobre uma reflexão que tem tomado minhas horas de ócio no ônibus há umas duas semanas, e que foi em parte gerada pelo livro.


Começando: um pouco de 1984

O livro foi escrito pelo inglês Eric Arthur Blair, conhecido pelo pseudônimo de George Orwell e foi publicado em 1949, se passando assim no futuro, que no caso é bem sombrio. Trata-se de uma distopia, numa suposta realidade distorcida onde a sociedade é fiscalizada em todos os sentidos: até mesmo pensar é proibido. Todos são controlados pelas “teletelas”, monitores representando o “Grande Irmão” (sim, Big Brother!) e que estão em todos os lugares. O Big Brother vigia cada passo e palavra, para que os que mostrem qualquer mínimo vestígio de aversão ao Partido sejam devidamente punidos. Quem nos guia por este mundo é o personagem principal Winston Smith e seu processo de revolta contra o Partido.

 Introduzindo a cheiração de orégano.

Agora, pra explicar a minha reflexão, vou falar um pouco sobre duas figuras que os estudantes de Design não aguentam mais ouvir falar: William Morris e Walter Gropius.

William Morris

Morris era pintor e foi um dos principais idealizadores do movimento Arts & Crafts. Seu sonho era poder criar objetos (desde móveis a utensílios domésticos) que fossem belos, de qualidade e acessíveis a todos, já que a maioria de produtos da época era de péssimo gosto e material de segunda (principalmente com a produção em série gerada pela Revolução Industrial). Os artigos de qualidade eram caríssimos e poucos podiam obtê-los, e esse foi um grande desgosto na vida de Morris.

Walter Gropius

Gropius foi o alemão fundador da Bauhaus, primeira escola de Design (ou o que hoje chamamos de Design, porque na época ainda não tinha esse nome). Ao convocar arquitetos e artesãos para fazer parte da Bauhaus, ele elaborou o seu famoso manifesto, que acompanhava uma figura de uma construção e 3 estrelas. As duas estrelas mais abaixo representam Artes (pintura) e Ofícios (artesanato), e a estrela do topo simboliza o Socialismo.

Manifesto Bauhaus – 1919

Ou seja: o manifesto promovia a união entre Artes e Ofícios em prol do Socialismo – em prol de objetos e obras que fossem de qualidade e financeiramente acessíveis a todos. Vemos assim claramente que Morris e Gropius tinham ideais parecidos. (Só pra constar, a Bauhaus foi fechada pelo partido nazista justamente por causa desses ideais Socialistas)

Mas aonde é que eu quero chegar?

Eu moro em São Gonçalo, e faço Comunicação Visual e Design na UFRJ, na ilha do Fundão. Todos os dias eu pego ônibus e atravesso a poça. Todos os dias eu vejo letreiros, outdoors, logotipos e anúncios. Em SG, na Linha Vermelha, às vezes na Avenida Brasil. E confesso: fico enojada com a imensa quantidade de coisas FEIAS. Amadoras. Mal feitas. Anúncios poluídos e gritantes. Em SG, então, nem dá vontade de olhar pela janela. Quando eu trabalhava na Barra, passando por Ipanema, Leblon e Gávea, era completamente diferente, é claro. Mas então você vai me dizer: “é óbvio, na Zona Sul tem gente rica então é claro que os anúncios, fachadas e outdoors vão ser mais bonitos e sofisticados.”

Sim, você tem razão, mas não deveria ser assim. Acontece que até mesmo aqueles que podem mudar isso e tornar o mundo das massas um pouco mais bonito e agradável continuam usando a mesma fórmula distorcida. Eu estou estagiando em uma agência de publicidade, e tento, muitas vezes, fazer layouts de anúncios mais elaborados para certos clientes (que atendem público de renda mais baixa). Mas esses layout quase sempre são vetados. Pra eles, tem que ser layout “povão”. E sabe porque? Não é porque eles não merecem uma coisa mais elaborada; é porque a própria massa rejeita o belo e sofisticado. As classes D e E olham um anúncio mais clean e instintivamente consideram que aquilo não é pra eles, que “deve ser caro demais”. Eles mesmos se segregam visualmente, o que os faz serem cada vez mais segregados por agências que atingem esse público, gerando um triste ciclo vicioso. Eles estão acostumados com tão pouco que ninguém se preocupa em acostumá-los com algo melhor. Pelo contrário, prefere-se que se acostumem com pouco.

E é aí que entra 1984. No livro, a sociedade vive com o mínimo necessário para sobreviver, pouca comida, pouca roupa, pouca dignidade, nenhum prazer, nenhuma liberdade. Mas como todos os registros de um passado melhor são apagados, as novas gerações acabam não sabendo como era ter muito, e se acostumam com o pouco. Se acostumam tanto com o quase nada que um pouquinho que seja é visto como grande caridade.

É assim que as massas vão se acostumando ao pouco, ao ruim. Assim como Groupius e Morris queriam que todos tivessem acesso a itens de qualidade com material de qualidade, eu, como designer gráfica, gostaria que todos tivessem acesso à Comunicação Visual de qualidade. Não queria que as pessoas se acostumassem ao “feio de qualquer jeito” quando não é tão difícil ter o belo e bem feito. E, ao contrário da questão dos objetos na época da Bauhaus, aqui isso não é uma questão de custo, é uma questão de costume. E de reconhecimento quanto à profissão do Designer. Enquanto os amadores, os ditos “primos photoshopeiros” continuarem fazendo cagação de layout, isso fica complicado. As pessoas não entendem que Design não é só chegar no Photoshop e fazer. Assim como saber martelar um prego não te faz apto a construir uma cadeira.

Como a minha amiga (também designer) Vanessa bem disse: é também uma questão de os próprios designers saberem como lidar com seus jobs, fazendo um trabalho de igual qualidade seja qual o nível social do cliente e estipulando preços conforme o bom senso.

Quanto à auto-segregação visual das massas, só o tempo pode resolver. Antigamente celular era um luxo e eram poucos os que ostentavam aquele tijolão. Hoje em dia, até mendigo tem IPhone (ok, exagero!).

Talvez a qualidade visual, um dia, se torne comum assim para todas as camadas da sociedade.

PS1.: Sou apenas uma estudante do 2° período, então não falo com propriedade nem conhecimento profundo do assunto. Estou aberta a opiniões diferentes para discutir. 🙂
PS2.: Sei que é superficial falar de segregação visual quando há tantas outras segregações mais sérias e importantes a se discutir e resolver, mas enfim… É o meu ramo, não dá pra evitar.